Dia das mães, a dor e a perda vieram cirandar.

Eu que sou tão apegada a datas e cerimônias, me encontro vivendo mais uma peripécia da vida quando, quase que sem surpresa alguma, vejo escorrer, em pleno dia das mães, a última gota de sangue daquilo que seríamos nós.

O último elo de ligação acaba de escoar na cor vermelho escarlate, então, já podem apagar as luzes e fechar as cortinas, o espetáculo da vida chegou ao fim de forma dolorosa e deprimente, antes mesmo do primeiro suspiro.

O milagre não aconteceu!

A espera foi um erro.

A esperança foi apenas um fio condutor para a dor que chegou, como inevitavelmente ela haveria de chegar, cedo ou tarde, se mostrou implacável.

Quase mãe, quase vida, quase viva, quase morte, quase grávida! Quase grávida?

Quase mãe
Quando eu pensei que não cabia mais amor em nós, que havíamos chegado ao ápice da felicidade, no pico da montanha mais alta, você apareceu para transbordar.

Foi mergulhada em lágrimas de felicidade, ouvindo músicas da minha adolescência, sozinha aqui no quarto, que eu me peguei escrevendo a primeira página daquilo que quase foi o seu diário, ou o meu diário sobre você.

Quase vida
A primeira página dizia “… enquanto você se forma em meu ventre nessa sexta semana de gestação, enquanto você ainda não desenvolveu os seus olhinhos, eu estou aqui olhando e vendo um futuro inteiro pra nós.

Neste momento, minha criança, enquanto seus bracinhos ainda serão formados, eu estou aqui planejando quantos abraços eles vão me proporcionar ao longo de toda nossa vida juntos, e eu espero que sejam muitos, que sejam infinitos…”

Mas antes mesmo que as lágrimas de felicidade pudessem secar nas folhas desse diário, uma triste realidade me arrastou pelo braço para o meio de um salão escuro. Estou agora em um limbo, perdida, sozinha, vazia, frágil, onde tento recolher os cacos de um amor devastador, um verdadeiro furacão, em muitos sentidos, que passou varrendo tudo.

Estou no mesmo quarto, cujo as cores da parede agora parecem que precisam de tinta nova, a luz do abajur de mais brilho e o chão de um tapete para aquecer o gelo que se instalou, no som já não toca nada. Só o vazio ficou aqui… dentro e fora.

Quase viva
Início de 2023, no ano mais lindo de nossas vidas, você deu o ar da graça.

O ano mais esperado da minha vida, quando seu pai (André) e eu comemoramos 16 anos de namoro, mas não só por isso, veja bem, eu tinha 16 anos quando começamos namorar e, desde então, aguardo o ano de 2023 pra poder enfim celebrar o fato de que tenho mais tempo ao lado do amor da minha vida, do que de vida.

Então, como era de esperar de mim, os planos pra esse ano eram os mais lindos e doces possíveis, mas você não ainda não estava incluso(a) neles, portanto, imagina qual não foi a minha surpresa quando em Abril, precisamente no dia 01, numa brincadeira de dia da mentira, onde eu iria inventar você, de repente aconteceu: POSITIVO! Inexplicável e inesquecivelmente positivo.

Começava ali a mudança de planos de forma radical, a vida foi de 100 a 1000 rápido demais, eu me esqueci completamente do que havia planejado pra minha vida, porque a partir de agora aquela vida já não existiria mais, você se tornava minha vida e também tornava minha vida nova, tudo que tinha até então, já era passado.

Novas planilhas, novos sonhos, novos objetivos, tudo, absolutamente tudo se fez novo, inclusive o amor, que ganhou outro sentido em meu coração.

A essa altura, eu já tinha salvo em uma pasta desde a ideia do ensaio fotográfico de maternidade, até alguns artigos sobre a síndrome do ninho vazio, que eu certamente iria precisar pra quando você crescesse e resolvesse ir embora de casa.

Foram muitos sonhos rápido demais, eu sei, isso pode ter assustado você.

Como acredito que a felicidade precisa ser compartilhada, tratei de avisar os familiares e as pessoas mais próximas, todos estavam em festa, ansiosos, tudo certo, eu nunca vi tanto amor concentrado em uma só notícia, mas os seus planos mudaram, não foi mesmo?

Quase morte
A dor de não ouvir seu coração bater naquela manhã, foi até hoje o silêncio mais amargo e perturbador que eu já pude experimentar, confesso que naquele momento, senti que o meu também passou a se expressar em uma frequência diferente, fraco, lento, quase sem querer bater.

Quando tive que me levantar da maca, eu notei o chão se abrir, e pude então testemunhar que não importa o quanto você pense que já chegou ao fundo do poço na vida, existe um lugar ainda mais profundo e cinzento possível de se alcançar.

Existe um buraco lá no fundo da alma que nós não enxergamos, lá está reservado um espaço pra essa dor que é tão inacessível, que acho que somente pessoas que passam por isso conseguem sentir, mas eu ainda não encontrei palavras para expressar o que se sente.

Nesse lugar só existe dor, insegurança, culpa, vazio, dúvidas, solidão, tristeza, escuridão, raiva e mágoa.

Todos esses sentimentos juntos vão te apertando, te sufocando, te impedem de falar e de respirar e você só quer se deixar levar por eles, você nem sabe pra onde eles vão te conduzir, mas mesmo assim se entrega, porque nenhum outro lugar pode ser tão doloroso quanto a realidade em que se encontra agora.

É o fim do mundo, mas o mundo continua girando com as piores coisas que já existem nele.

É a própria morte, mas com a obrigação de continuar existindo.

Quase grávida
A mulher que eu era no passado, antes de você chegar, já havia morrido, eu já havia sofrido o luto por ela, porque eu sabia que nunca mais a seria.

A mulher que eu me tornaria depois de conceber você, essa não aconteceu.

E agora, eu me pego pensando: que casca é essa que sobrou aqui?

Se o que eu era, já não sou mais, e o que eu seria não aconteceu, então quem sou eu nesse limbo de dor, angústia e culpa?

Eu, que sempre soube usar meu coração como guia, me vejo agora perdida dentro de mim ficando apenas com o ônus de tudo isso, com as dores, com as contrações, com um princípio de uma hemorragia, com a frustração, com a violência obstétrica e até mesmo com o ninho vazio, quem se atreverá dizer o contrário?

Agora, são esses os ingredientes que tenho em mãos para criar um novo eu, para ressignificar, me reencontrar e mais uma vez, forjar aquilo que sou e que serei.

São novas e inconfundíveis marcas de dor que irei carregar daqui pra frente.

Forças pra isso? Não tenho e nem quero ter.

Porém, no fundo no fundo, por mais que eu sempre prefira sentir a minha dor, eu sei que nem só escuridão foi o que sobrou, afinal, um amor que transborda não pode voltar ao que era antes, e não volta.

Eu posso viver e sentir isso pelo entrelaçamento de cumplicidade, carinho e cuidado redobrado que floresceu entre André e eu.

“Meu melhor amigo é o meu amor”, e com ele tenho encontrado a força necessária para me recompor um dia de cada vez.

Se meu sorriso voltará a ser o mesmo de antes? Eu ainda não sei.

Pra onde irão correr meus pensamentos quando eu estiver olhando pro nada no mais absoluto silêncio? Não posso dizer.

Se terei forças para vivenciar tudo isso outra vez? Só o futuro guarda essa resposta.

A única coisa que sei agora, é que me sinto tocada, tocada por algo vital, que afetou minha vida não de forma 100% positiva, nem de forma 100% negativa, mas sim de maneira essencial.

Tem mais alguém do outro lado por mim agora, eu sei. Como isso não pode ser um conforto?

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