Eu até poderia escrever epitáfio na legenda dessa foto, ou apenas dizer que eu “nem sei porquê você se foi, e quanta saudade irei sentir”. Mas frases feitas por outras pessoas não farão sentido agora, porque elas não expressam o que tenho sentido nos últimos dias. E eu sinto muito!

Dizer que “aquele adeus não pude não dar”, seria pouco para o tanto que eu tinha pra te falar. As palavras agora sufocam, doem na garganta, amargam no céu da boca, e eu chego a senti-las na ponta da língua, mas não saem, e não saem porque você não vai me ouvir. Mesmo eu não querendo acreditar.
Hoje eu só queria aquelas duas horas e 70 km a caminho da Dinizlândia com o senhor, mas desta vez eu não iria insistir para ir em cima da sua caminhonete prata, pela primeira vez, eu iria querer ir dentro da cabine, sentar bem do seu ladinho pra te fazer lembrar o que eu nunca esqueci…
Tio, eu nunca esqueci de quando era criança e aquela onça atravessou na frente da nossa moto, lembra que o senhor mentiu dizendo que era um cachorro só pra não me assustar? Que cachorro teria aquele tamanho, tio?
Eu nunca esqueci que o senhor me fez ver dinossauros nas árvores enquanto andávamos a pé a caminho do sítio porque a moto estava atolando no barro com nós 3 (ou melhor, 04, se contarmos que a Hadry já estava a caminho); eu nunca esqueci do dia que encontramos aquela cobra na estrada e o senhor nos acalmou com seu jeitão espalhafatoso; eu nunca esqueci da letra da música que escrevi para sua primeira campanha para vereador -quando eu tinha só 12 anos- e que o senhor fez questão de gravar e usar como jingle; eu nunca esqueci que o senhor me ensinou a andar de moto com a sua velha honda titan vermelha, mas eu não podia sair do quintal de jeito nenhum; eu nunca esqueci das idas à chácara da Ceron e do seu tombo na tirolesa; tio eu nunca esqueci que na noite que colocaram fogo na minha casa, o senhor foi o primeiro a chegar lá. O senhor sempre esteve lá, quem faltou fui eu. E mesmo sem nunca esquecer, hoje do que me adianta lembrar?
.



.
Sabe tio, eu nunca parei pra contar, mas o seu nome já apareceu várias vezes em meus diários de quando eu era criança, em algumas delas você era o protagonista, como naquela noite que chegou pra me levar ao circo horas depois de eu ter escrito que era o último dia do espetáculo na cidade e eu ainda não tinha ido.
Outras vezes você aparecia só como um figurante, como quando contei que passei de carro na frente da casa do menino que eu gostava e ele me sorriu, o carro era o Santana prata que o senhor tinha comprado naquele dia e foi logo nos buscar pra dar uma volta na cidade todo orgulhoso, isso dias antes de fundir o motor por falta de água. Ah, a nossa alegria de pobre durava pouco, mas era genuína e agora, onde é que ela está?
Onde foi parar o sorriso do primeiro dia no sítio? Das idas no parquinho da expovil? Do orgulho em me ver cavalgando pelo sítio afora? O sorriso de quem me ensinou a plantar caju, a colher mel, a debulhar milho! Para onde você levou esse sorriso que eu só queria poder vê-lo pela última vez?
Meu tio lindo, meu segundo pai nesta vida, foi tudo muito rápido, foram 3 dias, algumas horas, muitas lágrimas, um pouco de fé e de repente, o senhor foi arrancado de nós de forma abrupta.
Num dia, o cara mais forte que eu conhecia, que nunca ficava doente, segundo ele “porque sempre tomava mel com própolis”, no outro dia, vírus maldito, emergência, UTI e a vida se foi como num sopro, como o apagar das luzes no interruptor.
A gente sempre acha que ainda vai ter tempo, né (…)? A gente vai deixando a vida pra depois e, depois a vida puxa o nosso tapete sem pena, sem qualquer cerimônia, daí já não há lágrimas que bastem.
Vá em paz, meu tio amado. Vá com Deus, se puder, perdoe minha ausência e volte quando der, o mundo é um pouco mais cinza sem o seu sorriso.
