Quando uma alma encontra afago em outra 

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“… se não soubesse que o beberrão mais louco da cidade é igual a mim, e não tivesse orgulho de tê-lo caminhando ao meu lado como um amigo, não escreveria outra palavra, pois é a minha força”.

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Quantas memórias cabem em um amontoado de palavras soltas como essas? 

Palavras que nunca soubemos bem de onde vieram, mas que sempre permearam nossa história rabiscadas em cadernos que vão desde o fundamental até o ensino médio, ao lado das assinaturas dos nossos nomes, próximas a outros poemas que escrevíamos por aí. 

Tudo começou com uma garota que sentava no fundão junto de outras meninas, um dia ela mandou o pessoal calar a boca na sala de aula e depois chegou na minha mesa dizendo:

– Você gosta de poemas? Eu também.

Catarse! Cataclismo. 

Nesse exato momento, eu sei que o universo inteiro parou para celebrar o reencontro de duas almas já velhas conhecidas e que estavam prontas para se apoiarem uma outra vez, incondicionalmente, como muitas vezes outras ja o fizeram em seus antepassados.

Não tenho dúvidas de que combinamos esse encontro.

E lá estávamos nós. Eu de boné alaranjado – combinando com a cor do uniforme que, pela primeira vez na história do Zilda havia deixado de ser branco -, short jeans envelhecido, tênis cinza com laranja e a cara bem fechada. 

Você, de cabelo cacheado, partido ao meio e amarrado como um baixo rabo de cavalo que apresentava creme de pentear em seu comprimento, de calça jeans bem apertada, ainda usando o uniforme branco antigo e com um all star preto cano alto. O mesmo all star que hoje você detesta.

Definitivamente, parecia que nós não combinávamos em nada, exceto no fato de que já estávamos combinadas de nos reencontrar.

“Nossos destinos foram traçados na maternidade”.

Sim, nós já perdemos totalmente a conta de quantos anos estamos caminhando lado a lado, e eu aposto que você não tem o mínimo interesse em calcular, porque isso entregaria sua idade.

Bom, já eu acredito que devem ser muitas vidas, pois não acho comum alguém conseguir ler a alma de outra pessoa só com um olhar, mas eu sei que você pode ler a minha. Sei que, embora a distância física que nos separa, nos dias que eu mais preciso de você, sempre recebo um “oi, tá tudo bem?” e isso me trás paz.

Nessas tardes chuvosas e de frio do mês de julho, eu me pego lembrando como se fosse ontem aquela neblina que cobria o céu, a quadra da escola vazia, eu deitada no seu colo, o salgadinho de pizza e a gente teorizando sobre a vida, sem fazer a mínima ideia do que ela nos reservaria para o futuro, mas com os anseios de duas adolescentes com muita sede em descobrir. 

Nós sonhamos tanto juntas.

Sonhávamos em sair da nossa realidade, sonhávamos com uma vida melhor, sonhávamos em ser mulheres independentes, sonhávamos com um grande amor, sonhávamos em ser como as mocinhas dos filmes de comédia romântica que assistíamos juntas…

E por falar em filmes, eu amava aquelas tardes que eram só nossas, regadas a terror, suspense, ação e pipoca, deitadas no chão da sala da casa da sua vó. Você me fazia assistir Rebelde e eu sempre dizia que odiava, mas você também via os filmes melosos comigo, então, eu considerava uma troca justa.

Depois, esses encontros se tornaram fugidas para fofocar sobre a nossa rotina no trabalho, as primeiras descobertas e desolações amorosas, os namoradinhos.

Mais tarde, nossos momentos se tornaram escapadas para o aeroporto, regados a vinho, queijo, frutas, as vezes cerveja, assim, o tempo ia passando e nós nem percebíamos.

Hoje, estou no quarto ao lado do seu, na sua casa, você está dormindo com o pequeno José Bernardo nos seus braços, e eu que pensava que não podia te amar mais, agora amo o dobro enquanto admiro a mãe que você se transformou.

Sah, até hoje ninguém entende quando eu falo que “meus hormônios caíram”. Aliás, somente uma única pessoa em todo esse universo seria capaz de decifrar esse sentimento, e pra que mais que isso? 

Embora exista uma necessidade humana em socializar e fazer novos amigos, todas as vezes em que eu me perdi, era você que estava ali pra me lembrar sobre quem eu era.

Ter uma amiga de infância assim, não se resume apenas a uma bela amizade, mas é sobre ter alguém que valida toda a sua história, que acoberta os seus medos, que guarda os seus segredos mais obscuros, que caminha lado a lado pra te dizer onde você está acertando e onde erra também. É alguém que te ama em sua essência, não por quem você se tornou ou pelo status que carrega hoje, não pelo que você tem, mas por quem você é, de verdade.

Ter uma amiga de infância, é ter alguém pra te corrigir, mas também pra te dizer: “você não é isso que eles dizem, não deixe quem não te conhece verdadeiramente e quem não sabe de onde você veio, dizer quem você é”.

Ter uma amiga de infância, é conhecer o amor em sua forma pura.

Não tem a obrigação parental, não tem a troca de amor romântica. É somente o amar e o cuidar, genuinamente. E eu amo você na sua essência!

Eu amo quando você está tímida e começa falar sem parar, amo quando você se faz de forte e não chora por nada, amo quando você bebe e vira piadista, amo quando você pede pra eu escolher um filme e depois odeia ou dorme, eu amo quando você é dura comigo e me fala as verdades que eu preciso ouvir e que ninguém jamais me falaria.

Amiga, eu não me canso de dizer todas as vezes que nos encontramos o quanto eu me orgulho de você, da mulher que você se tornou, da mãe que agora está nascendo em você.

Eu não preciso voltar no tempo pra saber que aquela minha amiga de infância estaria morrendo de orgulho de saber que pôde contar com você, por saber que tudo que você construiu e conseguiu foi por ela também.

Você é uma das mulheres mais fortes e corajosas que eu já conheci em toda minha vida!

Quero que saiba que vou estar ao seu lado em todos os momentos, desde matar aula pra comer salgadinho, até acordar de madrugada pra ver se você precisa de algo com o José Bernardo.

“Até o que a gente ainda tem pra viver me faz falta”.

Da sua sempre, Priscy.

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