Sobre a nostalgia que fica quando as crianças crescem

Durante bons anos da minha vida, eu cuidei de crianças, mas você eu amei.

Não que eu não gostasse de cuidar de outras crianças, afinal, criança é criança, sorriso fácil, normalmente divertidas, curiosas, e também, gostavam de dormir, tinham uma rotina fácil….

Mas você era diferente, você era tipo algodão doce pra mim. É, não sei explicar o porquê… mas você era como algodão doce pra mim.

Talvez porque eu ame algodão doce, mas pode ser também pelo fato de que quando você pede um algodão doce, você vê ele nascer do nada, já viu como é?

É só um palito sem graça, mas ainda assim confiamos que dali sairá um doce, sobretudo lindo.

Então lentamente o senhorzinho vai rodando o palito na máquina, e aos poucos aquele doce vai dando as caras, e ele roda pacientemente, e o algodão começa a se formar, fazendo com que os nossos olhos comecem a brilhar de expectativa… e então o senhor vai moldando e, de repente, parece uma nuvem, leve, linda, vistosa, colorida e doce… como é doce.

Assim como você, que é um doce de algodão doce na minha vida.

Antes mesmo de você vir ao mundo eu já te amava, eu ansiava por você… eu dizia que iria ajudar a cuidar, que sua mãe ia poder contar comigo pra tudo, afinal, eu sempre quis uma irmãzinhA.

Me mudei para o sítio ‘pra acompanhar sua gestação’, eu queria estar presente a todo tempo, queria ser útil, queria que você se sentisse amada e, acima de tudo, queria cumprir minha promessa de ajudar a cuidar de você.

Dessa época, guardo tantas lembranças lindas… me lembro que um dia seu pai e sua mãe discutiram, meu tio ficou triste… foi caminhar num bosque que tinha lá à frente da divisa; sua mãe demorou mais pra se levantar naquela manhã, e eu fiquei sozinha e desesperada tentando imaginar o motivo da briga e pensando se já ou não tinha passado da hora da sua mãe te alimentar. Hahaha

Que ousadia minha pensar que eu poderia estar mais preocupada com você do que ela, aquela que sonhou e pediu pra Deus cada pedacinho de você.

Outra lembrança tola que me vem à mente, era das brigas que eu causava com a Maria e com as outras meninas porque quando seu pai estava na cidade, nós deveríamos revezar para dormir com a sua mãe e ajudar a cuidar de você, acontece que eu queria dormir todas as noites, não importavam as regras do jogo… afinal, eu é que era sobrinha de verdade, as outras só usavam o título de “tia Irene”, na minha cabeça não era justo ter que dividir a atenção da barriga dela com mais ninguém.

Teve uma noite que acordei e me sentei na cama, assustei sua mãe que ao perguntar – “o que foi menina?” – ouviu apenas um “nada” da minha boca e me mandou deitar e dormir novamente. risos

Quando ela falou sobre isso eu dei risada, não lembrava do episódio da noite anterior, mas confesso que fiquei apreensiva, pensando que não poderia assustar sua mãe, não com você naquela barriga tão pontuda que já estava enooorme, tinha que aprender a me controlar mais…

Mas ‘me controlar’ nunca fez tanta parte do meu vocabulário, outro dia, ainda naquela época, fomos passar o fim de semana no sítio, estava frio, um dia chuvoso, alguém teve a ideia de irmos até o Iquê andando. Eu fui, né? Criança lá tem escolha?

Mas no caminho, tinha algo estranho, o clima tava feio, sua mãe cantava uma música que me assustava: “meu amor, olha só hoje o sol não apareceu, é o fim…” fim de que meu Deus? Eu ainda tinha muito que me arrepender! Tá doida?

Seu pai ia na frente, guiando a turma, eu ia me balançando de cipó em cipó, seu irmão caminhava de cabeça baixa e sua mãe vinha atrás, por último, com um facão na mão.

Não mais do que de repente, seu pai parou e acenou que havia uma cobra ali, ela era pequena, mas foi o suficiente pra todos se assustaram, principalmente a pessoa mais medrosa dessa cena que sabemos bem quem é, a do facão.

Nisso, seu pai ordena, pega o facão Pri… e eu desesperada pensando que a cobra poderia assustar você dentro da barriga a ponto de querer sair, corri pra sua mãe e disse “fica calma tia, não fica com medo, é só uma cobrinha” peguei o facão para levar pro tio e depois de dar dois passos voltei pra ela de novo e pedia “fica calma, fica tranquila”… hahaha

Na minha cabeça, devo ter repetido a cena umas duas vezes até me darem um gritão que me tirou do transe e me fez levar o facão para que seu pai pudesse limpar o caminho.

Hoje quando puxo essas cenas na memória, acho muita graça, mas também encontro a pureza do meu sentimento por você.

O delineado verde em cima dos seus olhos coloriam os meus dias mais cinzas.

Foto em 13/05/2006

Minha Hadry… eu cuidei de você, cantei pra você dormir, ajudei você a escrever,eu amei tanto você, e senti tanto ciúmes.

O fato é que eu te queria só pra mim, íamos crescer juntas, ser confidentes (eu já te falava que estava apaixonada pelo André antes mesmo de você entender o que era isso), melhores amigas, você seria a irmã que eu nunca tive e eu seria um alívio no meio de tantos irmãos que você já tinha.

Tudo isso fazia parte dos meus planos e eu não idealizava um futuro longe de você.

Eu tinha tanto medo de que quando você crescesse, e pudesse tomar suas próprias decisões, você decidisse não me deixar fazer parte da sua vida.

Toda vez que você dizia que preferia a Lê do que eu (mesmo que sua decisão fosse tomada a troco de um chocolate), eu pensava:

“E se no futuro ela preferir outra melhor amiga? O que que eu vou fazer com esse lugar que estou guardando só pra ela?”

Mas foi na dor que eu descobri que havia conquistado algo que eu sempre quis ter, e eu mesma perdi…

Sabe, algodão doce, eu aprendi que o amor e a dor não podem coexistir, uma especialista diz que você não ama alguém que você machuca e vice-versa, então como explicar o apagão que eu mesma provoquei na sua vida.

Eu estava presente nos primeiros anos da escola, mas onde eu estava na sua formatura?

Eu estava presente nos seus primeiros passos, mas onde eu estava quando você começou a correr?

Eu estive presente nas suas primeiras falas, mas onde eu me escondi quando você precisou de alguém pra desabar?

Eu falhei com você!

Sabe, eu sempre tentei agir com muita certeza dos meus passos, para evitar o arrependimento da falha. Sempre quis ter razão sobre mim.

Há alguns anos atrás, eu dizia que o problema de tudo, é porque eu não sabia amar a distância. Mentira! Eu continuei amando você todo esse tempo. E mesmo assim falhei.

Depois de tudo que aconteceu nesses últimos 2 anos em nossas vidas, eu ouvi uma frase da sua boca que ecoa nos meus ouvidos tanto em noites de angústia como em manhãs de alegria.

Você disse que sua maior magoa era porque eu era como uma irmã mais venha pra você e de repente eu sumi…

Uma irmã mais venha! Uma irmã mais velha!!!

Tem ideia de quantas vezes entre os meus 10 e 18 anos eu sonhei ouvir isso de você?

Mas de repente eu sumi…

Os motivos já não importaram, porque mesmo que eles explicassem, jamais justificariam isso.

A verdade nua e crua, é que eu me trai… eu me ceguei, eu me preguei uma peça, eu e meu monte de certezas que não me levaram a lugar nenhum, ao contrário, fizeram com que eu afastasse de mim aquilo que eu tanto sonhei conquistar um dia, um espaço na sua vida e no seu coração.

Eu queria cumprir minha promessa de ajudar em tudo. Estar presente em tudo.

Mas mesmo que eu assuma isso emboscada em lágrimas e com o nariz entupido… mesmo com a dor de ter perdido muito, hoje eu consigo sorrir novamente, com o brilho nos olhos de quem espera um algodão doce.

Isso porque há duas semanas atrás, estávamos nós duas dentro do mar, a água estava relativamente morna, nos estávamos relativamente próximas, como duas amigas, como duas confidentes, rimos da nossa família, falamos sobre planos, sobre futuro, presente e passado e por uma fração de segundos, eu pude sentir o quanto você confiava em mim, eu tinha você bem pertinho, como se nunca tivesse saído.

E a sensação que eu tive naquele momento era de que o algodão doce mais lindo, mais volumoso e colorido estava ali, bem na minha frente. Parecia nuvens no céu, no meu céu de brigadeiro onde as cores são rosa e azul bebê… no céu, que embora esteja longe, sabemos que está ali. Mesmo longe, o céu está sempre ali, cheio de amor e esperança.

Depois da tempestade, o céu está ali, azul, rosa bebê, algodão doce, nuvens, eu e você!

Te amo!

Notas para Hadry: Você esqueceu seu óculos em algum lugar e não sabe onde, acho que foi na praia.

Outras postagens

Lidos “Um pôr do sol à beira-mar”